Parte 1

Em Nietzsche, a filosofia é radical e assume sua tarefa de pensar valores, cultura e civilização a partir de suas bases. N. se propôs a desvendar e a desmistificar a origem dos valores que triunfaram historicamente: a verdade, o bem, o belo.

Tudo começa em Kant. A crítica de N. só foi possível porque 150, 200 anos antes Kant revolucionou a nossa forma de pensar. Kant abre a trilha para a filosofia crítica de N., mas isso não quer dizer que Kant e o Idealismo alemão não sofrerão as marteladas. N. filosofa com um martelo e assim se intitula uma de suas obras “Crepúsculo dos Ídolos ou Como Filosofar com um Martelo”. Não vamos ter uma crítica da razão pela própria razão como vemos em Kant; vamos ter uma crítica da racionalidade e isso não se dá apenas pelo campo da filosofia. A crítica é sobre a cultura e época nas quais ele se inseria, ele se dizia extemporâneo, ele dizia que só seria compreendido 100 anos depois.

N. se dizia esmagado pelas circunstâncias culturais e filosóficas de seu momento. Ele tinha uma saúde precária, ele viajava mto em busca de climas amenos, algo que era recomendado na época.

Ele tem formação em Filologia e dá aulas por 10 anos na Universidade da Basiléia. Ele comeca a estudar filosofia e teologia numa importante universidade, mas ele tinha um mestre chamado Richard, então desiste da formação e vai para a Filologia. Todo o pensamento dele é marcado pelas preocupações filológicas. Ele também lia muito Byron, Schiller.

Já na sua primeira obra “O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música” de 1871, ele mostra a importância da música na Grécia e na arte trágica grega: Ésquilo, Sófocles, Eurípides. Eurípides sofre mtas críticas de N.

É N. que aponta que o povo grego não é um povo tranquilo. A beleza grega não é essa harmonia e essa paz. Havia um senso comum na época de N. de que na Grécia Antiga se destacava pela harmonia do seu legado artístico. Mas N. contrapõe todos, afirman
que o povo grego era tremendamente sofredor, que ia ao fundo das coisas. Nessa obra, ele lança os dois princípios fundamentaisda Grécia Antiga: o Apolínea e a Dionisíaca.

Apolo é o deus da beleza, da luz. Em uma das versões mitológicas, ele vinha com seu carro todas as manhãs inaugurar o dia, trazendo o sol.

Dionísio ou Baco é o deus da embriaguez, profundidade, do caos, do obscuro da natureza humana.

Desses dois princípios é que se constitui a tragédia grega. O profundo sofrimento do grego antigo era embelezado, apaziguado por Apolo. O apolíneo plasma em formas belas e harmônicas o profundo sofrimento e dor que o grego sentia. Essa dor vai aparecer no coro da tragédia, um coro que tem sua origem no acompanhamento ritualístico do deus Dionísio. A música também é um elemento dionisíaco da tragédia e se mostra tão importante quanto o elemento plástico apolíneo. Uma música que expressaria o abismo do ser grego em composição à ordem e à harmonia dos elementos plásticos

Parte 2

A reflexão de N. sobre a música é mto influenciada pela obra de Schopenhauer. Nós ouvimos dizer que S. é pessimista, mas não é bem assim. N. descobre o livro “O Mundo como Vontade e Representação”. Ele fica impressionadíssimo com o livro, mas tempos depois rompe com S. por causa de sua visão negadora da existência. Ele começa a criticar Kant e Schopenhauer, mas deve muito a ambos… N. quando fala de música possui traços de S. Há um capítulo de “O Mundo como Vontade e Representação” que se chama “A Metafísica da Música”. S. diz que música, para ele, é revelação de vontade. Não uma vontade decisória e racional, mas um tipo de vontade instintiva, poderíamos pensar nas pulsões do inconsciente freudiano. São pulsões, impulsos que estão fora da razão e vibram no que há de mais animal do homem. Esse é o lugar da música de S.E o N., via S., vai se tornar afmirador de Wagner. Vai achar que a obra wagneriana pode trazer de volta a tragédia grega. Mas a tragédia grega é uma expressão artística irrecuperável, jamais se repetirá, mas N. tem essa esperança com a ópera de W.Uma das óperas que ele mais admira é Tristão e Isolda. Ele viaja para assistir a ópera de W. e ouve O Anel dos Nibelungos. N. se desilude completamente com a produção, pois considera que W. é muito cristão e isso ele não podia aceitar.Ele já havia rompido com Kant, Schopenhauer e agora Wagner. Mas continua a ser influenciado e a escrever sobre eles. Ele faz muitas críticas à fraqueza, à fragilidade das obras artísticas de sua época e diagnostica que a doença do seu tempo é uma doença cultural e filosófica.

Parte 3
Na obra “O Nascimento da Filosofia”, N. volta aos filósofos pré-socráticos: Tales, aquele que dizia que tudo é água; Heráclito, aquele que diz que a natureza é um fluxo constante e um devir; Anaximandro.N. se identifica com Heráclito quando ele diz que “a guerra é o pai de todas as coisas”. Tudo luta infinitamente num movimento contínuo. Tudo é devir. Tudo é “polemos” (guerra em grego). N. vai demonstrar que a filosofia pré-socrática está de acordo com a tragédia grega – além dos princípios opostos Dionísio e Apolíneo de luta e síntese.Agon, Assembleia, é um lugar de disputa, assim como num jogo olímpico. São disputas físicas e intelectuais. Homero, grande aedo, marcou arte e pensamento – houve o Agon Homérico, por exemplo. Tragédia e Filosofia gregas manifestam uma vida sadia e pulsante. Não é a vida doente, empalidecida, com semblantes tristes e os instintos guardados. O grego queria viver a plenitude de vida, inclusive é demonstrado pela filosofia pré-socrática. N. detecta em Sócrates o começo da decadência, pois o processo foi invertido. N. dizia que o gênio (daemon) de Sócrates era a inação ao invés da ação. A partir de Sócrates, a razão se sobrepõe ao instinto e essa inversão vai atingir o auge com Kant. Sócrates estava preocupado com moral e autoconhecimento, o logos socrático prenuncia a função empobrecedora do cristianismo. Sócrates renuncia à tragédia grega, ele acha que filósofos devem se afastar da arte, pois arte está no domínio do irracional. Para Sócrates, o Belo, o Bom, o Verdadeiro é uma tríade que não pode ser separada. Sócrates afirmava: “a Beleza deve estar ao lado da Razão.” Já os filósofos pré-socráticos preocupavam-se com uma vida saudável e forte.A Filosofia então teria se afastado da vida e se encastelado num mundo conceitual. Hegel, para N., era um castelo de conceitos. Kant era outro que trabalhava com conceitos e se afastava da existência dos instintos e dos corpos, ou pior, sorrateiramente, inseriu noções do cristianismo como Deus e alma imortal pelas portas dos fundos. N. se propõe a expulsá-las pela frente.

Parte 4

Toda a obra de N., com exceção da Genealogia da Moral, é aforismática. É como um suspirar, mostrando em sua forma o que ele pensava da cultura, moral e da filosofia contemporânea:”Todo filosofar moderno está política e policialmente limitado a uma aparência erudita. Uma erudição usada por governos, igrejas, academias, costumes, modas, mas que é a covardia dos homens… A filosofia não tem direitos. Por isso se o homem moderno fosse alguma vez corajoso e consciencioso teria de repudiá-la e baní-la”. “A filosofia banida poderia dizer em réplicas: ‘Ó Povo Miserável, é culpa minha se por entre vós como uma cigana nos campos e tenho que me esconder, disfarçar-me como se eu fosse a pecadora – e vós os meus juízes?Vede a minha irmã, a arte, ela está como eu. Caímos entre bárbaros e não sabemos nos salvar.” Já na Genealogia da Moral, ele faz uma crítica mto mais contundente! A moral de seu tempo é a moral cristã, uma moral de culpa, e aí entra o espírito filológico de N. ao examinar a palavra “culpa”. Schuld é culpa em alemão, mas tbm significa dívida. Ele busca a origem da palavra e descobre que a culpa foi originada de uma situação de compra e venda em que há credor e devedor, daí a culpa, daí a dívida. A origem parece ser mto simples, mas tudo se torna animizado e espiritualizado depois. N. faz uma hipótese sobre esse processo: a culpa foi imprimida para lembrar o devedor que deve ao credor. Algo palpável se sublimou e se metaforizou. Uma dívida aos nossos antepassados, aos nossos pais, aos nossos senhores e, finalmente, ao Deus único. Um Deus que deu sua vida para nos salvar, jamais será pago, trata-se de uma dívida impagável. Essa consciência de culpa marca a civilização cristã contemporânea.


Parte 5

Niesztche diz que o saber contemporâneo vem de uma perspectiva cristã e está contaminado pela culpa. Ele pega tds os valores espirituais e os avalia de um outro ponto de vista. No perspectivismo nietzschiniano, é preciso mudar os pontos de vistas. Então N. vai avaliar o que é Bem e Mal por meio dos adjetivos Bom e Mau. Ele entende que não existe Bem/Mal absolutos. Ele se pergunta das origens dessas avaliações. “Ariston” em grego quer dizer bom. Era o homem superior, o que fazia as leis, que classificava o bom e o desprezível. Mas com o passar do tempo a lógica também foi invertida, pois quem avaliava bom e mau não era mais o homem superior, mas o fraco, o que era dominado. O dominado dizia do seu dominador: “ele é mal e por isso eu sou bom”. A avaliação não partia de si, ela partia do outro. O espírito não era mais um espírito livre e superior, pois ele se autoavaliava a partir do outro! Esse “dominado” não agia, simplesmente reagia, N. chama isso de “Ressentimento”. O ressentido obedece determinações de outros e se avalia pelo outro. Outra crítica de N. é para os utilitaristas ingleses que diziam: “bom é aquilo que nos faz bem e é útil” N. questiona a importância da utilidade. Não foi a utilidade que criou valores, mas foi a relação de poder, relação de domínio entre os homens que criou o sistema de valores. O utilitarismo tem uma mentalidade calculista e prudente, sendo o exato oposto da postura superior daqueles que criam valores. Para N., o utilitarismo é reativo, está ao lado da reação, calculando-a com prudência. Esclareço que N. ao falar de aristocrata, não fala de classes sociais.Em um aforisma sobre Epiteto, escravo grego, ele diz: “Epiteto é um homem superior, mesmo sendo escravo, é um estóico no meio da servidão e da massificação. Ele avaliou a si mesmo, ele não seguia outros.” A moral cristã é uma moral que introduz culpa e faz de si mesmo um escravo do outro. A moral cristã é a moral do rebanho.Essa é a interpretação de N., mas “interpretação” é um conceito forte para ele.Interpretação é apoderar-se, é assenhorar-se.


Partes 6 e 7

Apoderar-se, assenhorar-se é próprio da Interpretação. Interpretação não acontece só entre os homens, costumes, usos… Interpretação está tbm no mundo orgânico e no mundo inorgânico, pois tudo é fruto da Vontade da Potência. É a Vontade da Potência (Wullu zur Macht) ou Vontade de Poder (Müller Lauter) que se assenhora de algo. Ao mesmo tempo, existe o movimento, o devir, ele concorda com Heráclito: “a guerra é o pai de todas as coisas”. A composição de forças vai progredindo sem alvo, sem finalidade. Pensar em finalidade é pensar em Deus e Deus é uma marca do cristianismo, por isso N. refuta a finalidade, o telos. Mas como acontece esse movimento? N. teve um insight, um pensamento forte e terrível no cume de uma montanha nevada da Suíça. Cito um aforisma dele:”Homem, tua vida inteira como uma ampulheta a ser desvirada sempre uma e outra vez. Um gde minuto de tempo no intervalo até que todas as condições, a partir das quais viestes a ser, reúnam-se outra vez no curso circular do mundo. Então encontrarás cada dor, cada prazer, cada amigo e inimigo, esperança e cada erro e cada folha de grama e cada raio de sol outra vez.” Este pensamento é o Eterno Retorno, um pensamento essencial para entender o Sim de N. à vida. Se o tempo retorna, vc tem que dizer Sim a tudo o que aconteceu, aceitar sua própria existência em sua integralidade. Essa é a grande questão, uma atitude afirmativa diante da vida, o Sim de N. É preciso afirmar a sua vontade e N. se contrapõe a Schopenhauer, que nega tudo, que nega o querer, que se afasta da vida. O sim, a afirmação de sua vontade, faz o homem ir além do bem e do mal. Assim ele supera suas estreitas estimativas de valor, sua doença, sua inibição. Com essa afirmação, três imagens aparecem no processo de transmutação:- o camelo: um erudito que carrega todo o seu saber nas costas. Todo acadêmico é um camelo;- o leão: aquele que estraçalha td em sua frente, a cultura como ele está, tds as estimativas de valor;- a criança: é a que brinca e no lúdico ela cria o novo. Ela faz castelos de areia que se fazem e se desfazem e essa imagem da brincadeira tem a ver com as competições gregas, o “polemos”, o “agon homérico”. Ele defende o pensamento livre e criativo. Que o espírito aprenda a dançar para poder criar, que saia da sua prisão de ressentimento e de culpa com a graça da dança que une corpo e alma.

Numa das Considerações Extemporâneas, Nietzsche vai tomar Schopenhauer como um mestre que o leva para um desespero cético dando sentido ao que Kant havia pensado. Para N., S. é mestre pois vivia para a Filosofia e não da Filosofia. Essa é uma crítica aos filósofos de profissão. O termo ‘brotgeletret’ significa ‘ganha – pão’, é o erudito do pão. Segundo N., S. passou por três gdes perigos em sua vida: o desespero da verdade diante da filosofia de Kant; o terror da solidão; o egoísmo do Estado e a ganância dos comerciantes. E N. afirma que S. os venceu. N. e S. filosofaram fora das universidades. A crítica às universidades alemãs era mt séria, provavelmente N. seria coagido ou dispensado se estivesse em uma. A estrutura universitária daquela época era sustentada pela imbricação de poderes do Estado e da Igreja. N. diz que o filósofo de profissão é aquele obrigado a comparecer com hora marcada diante de um público, composto na maioria de jovens. Como não tem nada a dizer confia seus pensamentos íntimos como se estivesse falando com amigos. Essa é uma crítica arrasadora. Ele arrasa com tudo: cultura, costumes, mulheres, relações pessoais… Mas ele não é niilista,que é a negação do sentido da existência, ele diz que o niilismo é uma passagem necessária para quebrar valores e construir outros. N. fala em dançar, em retomar a leveza e a graça justamente para sair dessa prisão que é o ressentimento e a culpa, sair da doença que é a cultura contemporânea. N. fala no sim e na Vontade da Potência.Nem mesmo S. é niilista, pois ele propõe a negação do mundo, mas não do sentido ; para S., negando a vontade, vc entraria em maior contato com a moral e a compaixão… Niilismo vem da literatura russa, aparece com Dostoiévski, Tolstói, depois vai para a Europa. A filosofia alemã da época não era niilista, ambos buscavam um sentido moral e no niilismo radical não há essa busca. A importância de N. é enorme até hoje, toda a filosofia francesa do século XX , Freud e todo o freudomarxismo passam por Nietzsche. Ele é atuante até hoje.


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