O Brincar, a estória, a metáfora, a infância e a vida. (do texto “O Brincar”)
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Uma das bases do brincar está na contação de estórias. Mesmo antes de aprenderem a falar os bebês escutam embevecidos os adultos falarem e contarem suas estórias. O som da sílaba fascina a criança. Em suas memórias, um escritor revela que, quando pequeno, adorava sentar-se no colo do pai e escutá-lo ler os grandes filósofos; palavras majestosas que predispunham a sua mente jovem a coisas sublimes.
As palavras de uma estória estimulam a criação das imagens internas correspondentes. Uma garotinha me disse que gostava mais do rádio que da televisão porque as imagens mais bonitas. Essa criação de imagens é a base do futuro pensamento simbólico e metafórico (…) de tudo aquilo que consideramos mentação ou educação superior.
A palavra metáfora, do grego metapherien,”transferir”, é uma ponte entre diferentes sentidos, criando um novo sentido. Metáfora é a ponte correlacionando imagens diferentes, sugerindo novas direções; é a ação criadora.
A linguagem simbólico-metafórica pode evocar sentimentos, anseios e aspirações indisponíveis ao pensamento, lógica ou descrição discursiva.
As imagens interiores funcionam metaforicamente para ligar nosso sistema sensorio-motor aos sistemas criativo-intelectuais e transferir a produção de uns para os outros. Toda forma de pensamento passa pela imagem.
Criar a base dessa capacidade simbólico-metafórica é tarefa principal da primeira infância, e isso ocorre por meio do brincar. A contação de estórias tem um papel crucial para a criança desde o útero. Na hora e no lugar certos, as palavras certas estimulam o cérebro e criam um fluxo correspondente de imagens.
As crianças querem ouvir a mesma estória o tempo todo não para aprendê-la, mas porque a repetição provoca a mielinização dos campos neurais entretecidos exigidos no fluxo de imagens de cada estória; o brincar simbólico segue esse mesmo padrão.
Quando os campos de imagem se estabilizam, as crianças não estão mais absortas, podendo assumir o controle. Elas estão prontas para modular o mundo exterior com uma imagem interior. Esse é o primeiro passo de toda criação.
A criança fecha a dinâmica, há concretização no mundo.
As escolas Waldorf, sabiamente, repetem estórias seis ou mais vezes. Uma criança convive com uma mesma estória por vários dias até passar para a outra.
No analfabetismo funcional, a pessoa consegue “ler”, pronunciar e até mesmo escrever uma palavra corretamente, mas o significado é vago e hesitante, pois isso requer a capacidade simbólico-metafórica que vem do brincar e das estórias.