O Cristianismo🔸 Da página Arte em Leitura
“Dois mil anos de cristianismo representam apenas a superfície. Nos profundos e intricados labirintos da psique vivem ainda os deuses pagãos. Pesquisas arqueológicas e pesquisas psicológicas são trabalhos paralelos feitos em áreas diferentes.” – Imagens do Inconsciente – Nise da Silveira 📚
“Nós julgamos sempre que o Cristianismo consiste em pertencer à Igreja e perfilhar certa fé. Na realidade, o cristianismo é o nosso mundo. Tudo o que pensamos é fruto da Idade Média cristã, até a nossa ciência; em resumo, tudo o que se move dentro dos nossos cérebros é, necessariamente, moldado por essa época histórica que vive, ainda, em nós, pela qual estamos definitivamente impregnados e que representará sempre, no mais distante futuro, uma camada da nossa constituição psíquica, nisso se assemelhado aos vestígios que o nosso corpo traz do seu desenvolvimento filogenético. A nossa mentalidade, a nossa concepção das coisas, nasceu na Idade Média cristã, quer se queira quer não. A marca do Cristianismo encontra-se, até, presente na maneira como o homem quer racionalizar o mundo. A visão cristã do universo é, assim, um dado psicológico que escapa às explicações intelectuais. É um passado que, nos seus caracteres e nas suas consequências, será, como todo o passado, um presente eterno. Nós estamos irremediavelmente marcados a ferro pelo Cristianismo, embora não seja menos verdade que também trazemos a marca do que o precedeu.” “Brevemente o Cristianismo terá dois mil anos de idade: na história do mundo isso não passa dum instante fugidio. Um enorme amontoado de séculos precedeu-o, numa série inumerável de milénios, em que tudo era tremendamente diverso. A época histórica remonta, unicamente, a quatro mil anos antes de Cristo. Antes dela, decorrem, de cento e cinquenta a duzentos mil anos duma existência tribal primitiva, existência que enraizou tradições e de que estamos ainda impregnados. Em vez de ter desaparecido, essa tradição continua a viver em nós e podemos demonstrar, com facilidade, que se fundou com o nosso Cristianismo, uma vez que a igreja católica foi erguida com base no sincretismo pagão. Entretanto, a continuidade histórica mostra uma fenda, assinalada, exteriormente, pelo facto de que o cristianismo, de acordo com os ensinamentos religiosos que todos recebemos, apareceu, na história, sem qualquer passado, tal um relâmpago num céu sereno. Esta concepção foi, sem dúvida, necessária, mas estou persuadido que é falsa, pois nada há que não possua história. O próprio Cristianismo, embora pretenda ser uma revelação única vinda do céu, nem por isso deixa de ter a sua evolução, o seu início, de resto perfeitamente inteligível. Não só certos rituais sacerdotais provêm do passado pagão, mas também as ideias fundamentais do Cristianismo, elas mesmas, têm os seus antecedentes históricos. A fenda na continuidade temporal deve-se unicamente, conforme dissemos, à profunda impressão produzida pelo pretenso carácter de unicidade invocado pelo Cristianismo, impressão que dominou toda a gente e, de certo modo, fez construir uma catedral sobre um templo pagão, cujos vestígios tivessem sido tão bem ocultos que a sua presença fosse totalmente esquecida.” – O Homem à Descoberta da sua Alma – C. G. Jung 📚
“Os teólogos e historiadores da convicção cristã sempre tentam nos fazer crer que o cristianismo caiu do céu. Mas ele cresceu muito naturalmente, através do curso dos tempos. Tudo foi muito bem preparado. Nós falamos da origem persa do cristianismo, mas uma grande parte veio do Egito, alguma coisa da Índia, pois no século II a.C. já havia monastérios budistas na pérsia, e então, através da Pérsia, as ideias budistas provavelmente influenciaram a formação do cristianismo. Todas as ideias cristãs e o simbolismo cristão já existiam anteriormente, e muitas das instituições da Igreja Católica também. A Missa, provavelmente, tem sua origem no culto de Mitra, e o ritual da comunhão também. Os monastérios já existiam. No tempo da Reforma eles afirmaram que os monastérios e os conventos não eram encontrados no Novo Testamento, e então a Igreja Católica apontava para o fato de que os monastérios existiam desde os primeiros dias do cristianismo, introduzidos pelos primeiros fieis cristãos, antes mesmo que as Escrituras houvessem sido reconhecidas como sagradas. Eles declararam que a Igreja é uma autoridade mais antiga do que as Sagradas Escrituras, pois essas haviam sido compiladas e sacralizadas muito depois da Igreja ter sido fundada por são Pedro (que se supunha ser o primeiro substituto de Cristo na terra) e ter sido colocada naquele lugar pelo próprio Cristo, e antes mesmo dos Evangelhos terem sido escritos. É interessante o fato de que as investigações posteriores apontam para a evidência de que a Igreja Católica não é bastante confiável. A Igreja apontou para um pequeno livro de Philo Judaeus, um judeu, também chamado Philo o Alexandrino, que foi o filósofo do cristianismo; ele desenvolveu principalmente a filosofia do Logos que está contida no mais filosófico dos evangelhos, o evangelho de João. Este livrinho é chamado De Vita Contemplativa e ai ele descreve os monastérios que existiram no seu tempo no Egito e, presumivelmente, também no sul da Palestina, no vale do Jordão. A Igreja Católica assumiu tranquilamente que aqueles eram monastérios cristãos, porque não se conheciam outros; mas o fato é que se sabe agora que este livro foi escrito entre 20 e 24 d.C., quando Cristo ainda não começara a ensinar; e mais, na descrição da vida naqueles monastérios o cristianismo não é mencionado – muito naturalmente, porque ele não existia! E assim como os monastérios existiram antes de qualquer coisa cristã, assim também os pensamentos mais centrais do cristianismo foram bem preparados durante séculos e já estavam lá. Então a coisa toda cristalizou-se em torno daquela figura mais ou menos lendária de Cristo. Eles disseram que aquilo chegou de repente como uma grande revelação, e de fato tentaram destruir todos os vestígios de suas fontes, esquecer como tudo surgiu e tornar tudo absolutamente único, como um raio dos céus. Mas historicamente este é um quadro desconhecido: natura non facit saltus, a natureza não dá saltos, ela é um desenvolvimento contínuo. O espírito que cresceu através dos séculos e apareceu ante à consciência do mundo no momento do ensinamento de Cristo, aconteceu tão naturalmente que Tertuliano, um dos primeiros padres da Igreja escreveu a famosa frase: anima naturaliter Christiana, a alma é naturalmente cristã. Estava lá, muito antes que as pessoas o percebessem, e a súbita explosão da fé cristã nada mais foi do que um súbito despertar da sua consciência. E assim como veio da natureza, assim ela voltou para a natureza. Durante algum tempo manteve a mente do homem acima da natureza e colocou-a em oposição. Santo Agostinho, por exemplo, disse em seus escritos que as pessoas saiam para maravilhar-se com as belezas da natureza, a vastidão do oceano, a grandeza das montanhas, etc., e esqueciam-se de si mesmas, perdendo suas almas; ele as advertia para não olharem, mas para acautelarem-se com a beleza da natureza, porque estava tudo errado; em tudo havia a admixtio diabolicae fraudis, a mistura da fraude diabólica. Em cada coisa natural havia um demônio. Esta ideia ainda se encontra nos ritos preparatórios da Santa Missa. Por exemplo, no Missale Romanum, uma coleção de ritos e preces, há um rito mágico em particular chamado benedictio cerei, a benção da cera das velas do altar, cujo propósito é purificar a substância natural da cera produzida pelas abelhas de todas as misturas de fraudes diabólicas. Eles acreditavam que tudo que vinha da vida da natureza era impuro, porque continha efeitos ou constituintes de influência maléfica, o trabalho do demônio, e assim, para fazer um uso sagrado das coisas, é preciso desinfetá-las. Há também a benedictio salis, a benção do sal. E durante a Santa Missa os meninos do coro balançam seus turíbulos para que a fumaça do incenso se eleve, e ela é um desinfetante espiritual. Os germes de natureza maléfica estão no ar, mas estes demônios são afugentados pela fumaça do incenso que circunda o altar. Assim, em cada detalhe o espírito cristão do início da Idade Média, elevava alguma coisa no homem, seu espírito ou alma, até que esta estivesse fora de contato com a natureza.” – Seminários sobre o Zaratustra de Nietzsche – C. G. Jung 📚
“O que é que precede o mito de Osíris, por exemplo? O mito de Osíris remonta a aproximadamente 4. 000 A.C. O que foi que o precedeu? A escuridão total. Simplesmente, não sabemos. E o que se lhe seguiu? A resposta é, evidentemente, muito mais fácil: o mito de Osíris foi seguido pelo mito de Cristo. Isso está perfeitamente claro, muito embora os teólogos nos garantam que o que não deixa de ser deveras singular a perspectiva mental do Novo Testamento nada tem a ver, ou muito pouco, com a egiptologia; mas isso é porque as pessoas ignoram muita coisa. Darei apenas um exemplo. Como sabem, a tábua genealógica de Cristo no Novo Testamento consiste em 3 x 14 nomes. O número 14 é significativo, por causa da grande festa de Heb-Sed dos antigos egípcios, celebrada de 30 em 30 anos para reafirmar o faraó como filho de Deus; estátuas de 14 de seus ancestrais desfilavam perante a ele em procissão, e se não pudesse ser encontrados 14 ancestrais, adicionavam-se alguns inventados, pois tinham de ser 14, nem mais um nem menos um. Ora bem, no caso de Cristo, filho de Deus, que foi, é claro, infinitamente mais exaltado do que o faraó, também teria havido 3 x 14 gerações, e isso é um Trishagion, a bem conhecida fórmula tríplice para Bendito, bendito, bendito seja o Senhor Deus dos Exércitos. Essa tripla repetição é simplesmente uma expressão da numinosidade de Três Vezes Bendito. Temos aí, portanto, um desses vestígios [da influência egípcia]. Se estudarmos cuidadosamente as afirmações e os depoimentos sobre Cristo que nos foram transmitidos historicamente, verificaremos serem relatos mitológicos intimamente ligados ao mito de Osíris. Foi por isso que o cristianismo se propagou no Egito sem encontrar a menor resistência. O país foi cristianizado num abrir e fechar de olhos, porque todos os precedentes necessários já existiam. Veja-se, por exemplo, o peixe, atributo de Cristo; foi aceito pelos egípcios sem discussão porque eles já tinham um dia em que certo peixe podia ser comido e nos outros dias não. Tudo isto inteiramente à parte do conteúdo espiritual do mito de Osíris.” (Jung) – C. G. Jung: entrevistas e encontros – William McGuire e R.F.C. Hull 📚
“Há uma extraordinária tolerância no catolicismo em relação ao corpo, e que se estudarmos a origem dos rituais da Igreja, veremos que a Igreja assumiu muitas cerimônias dos cultos pagãos, a missa, por exemplo, e as vestimentas dos padres. E o engraçado chapéu preto quadrado que eles usam, dobrado em quatro pontas, com um pompom preto no topo, é o chapéu original dos Flâmines, os sacerdotes de Júpiter em Roma. Assim, os sinos na missa e a hóstia com a cruz assinalada no alto são mitráicos, e o nosso Natal é o aniversário de Mitras.” – Seminários sobre o Zaratustra de Nietzsche – C. G. Jung 📚
“O Egito, por exemplo, foi o principal poder cultural do Oriente Próximo. Durou mais que a Babilônia, que foi destruída pelos persas enquanto o Egito ainda guardava as velhas tradições. O Egito é principalmente responsável pelo drama do inconsciente coletivo entre 4000 e 100 AC. O principal pensamento religioso que foi transmitido através dos anos foi a divindade do Faraó, o rei; e o homem-deus, o salvador, o Osíris, a imagem da alma. Osíris foi um deus original do Egito, tão antigo quanto Ra, contudo sempre foi diferente de Ra, o deus sol. Foi um tipo de homem-deus, o deus-herói morto e ressuscitado. Foi primeiro entendido como sendo um deus, e depois se tornou a alma, o Osíris, do Faraó. Como o rei era de certo modo Ra, foi também Osíris, o herói morto e ressuscitado. Assim Osíris se tornou o mediador entre deuses e homens. Por esta razão, a superfície das paredes dos templos são cobertas no exterior por representações das façanhas terrenas do rei, e no interior por representações do deus-rei, comunicando-se com os deuses. Por fora, ele é a grande figura da terra, o herói político, com poucas figuras de guerreiros em torno dele, poucos soldados para matar seus inimigos; e por dentro do templo, é o deus- homem que conversa com os deuses. Ele recebe a benção ou o sinal de ankl das mãos dos deuses, ou oferece o ankl para os deuses. Eles recebem vida dele através da oferenda real. Agora, esta representação de Osíris é muito claramente uma antecipação de Jesus ou da ideia de Cristo, tão claramente que mesmo a Igreja católica – que é um pouco hesitante em tais assuntos – autoriza a teoria de que Ísis e Hórus criança são uma antecipação de Maria e Cristo criança, como Osíris é uma antecipação do Senhor Jesus. A ideia cristã foi principalmente influenciada pelas ideias místicas do Egito; existem ideias similares na cultura babilônica, mas eu penso que a origem principal do cristianismo tem seus fundamentos no Egito. Assim, a figura de Cristo, para nós uma figura inteiramente simbólica, é a interpretação do velho mito de Osíris do Egito. Mas ele não foi uma figura simbólica no inicio da Idade Média ou na antiguidade. Foi um fato real, como a mãe Maria foi de fato uma virgem. Todas essas coisas aconteceram na realidade, e na Igreja Católica ainda somos forçados a acreditar no fato absoluto do nascimento virginal. Evidentemente, não podemos evitar perceber que isto deve ser simbólico. Mesmo que o homem Jesus tenha realmente existido, a estória de sua vida não é histórica. É claramente mitologia, como a mitologia de Átis, ou Adonis ou Mitra; foi tudo sincreticamente colocado na figura de Cristo. Nós não estamos muito convictos de que a crucifixão, o nascimento da virgem, a estória da tentação sejam simbolismos, e consequentemente sabemos algo que em tempos antigos não sabiam.” – – Seminários sobre o Zaratustra de Nietzsche – C. G. Jung 📚
“O soar dos sinos na celebração da missa vem provavelmente do culto mitraico, no qual os sinos eram tocados a certa altura dos mistérios. Também o dia do Natal é uma festa mitraica. Nos primeiros tempos, o Natal ocorria a 8 de janeiro e era um dia tomado dos egípcios, o dia que celebrava o encontro do corpo de Osíris. Só em tempos posteriores, quando o culto mitraico estava sendo superado, é que os cristãos adotaram, para o seu Natal, o dia 25 de dezembro, o dia celebrado pelos seguidores de Mitras como o dia do Sol invictus. Para os primeiros cristãos, o Natal era a ressurreição do sol e só mais tarde, no tempo de Agostinho, Cristo foi identificado com o sol.” – Seminários sobre Psicologia Analítica (1925) – C. G. Jung
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