Antônio vencido! – exclamou. – Antônio amado!(…) Então pôs-se a chorar. “Volta de uma vez”, pensava. “Vem, amado, porque meu coração estreia uma melodia nova, suas notas são virgens, e tu não a conheces, embora te seja dedicada. Jamais senti tanta harmonia, nunca ouvi esses sons até agora e não sei que nome lhes dar! Já não podem se chamar Antônio, já não são de Cleópatra. São para alguém que está chegando de além do amor, são para alguém que vem a mim desde o outro lado do tempo. Mas o que está dizendo minha loucura? O tempo e o espaço se misturaram porque Antônio vai chegar. Antônio como era e como é. Antônio onde esteve e onde está. Todos os seus rostos ao longo do anos, sua beleza e sua velhice , sua força e seu cansaço. Antônio vitorioso em um carro triunfal. Antônio fracassado montado em uma mula velha. Antônio inteiro! Antônio amado!”. Ela percebeu o cálido contato de uma mão amiga. -O que procuras no mar, minha rainha? – A chegada de Antônio, triunfante. – Que nova loucura te traz esse nome? – Talvez uma loucura mais lúcida que a razão de todos os teus filósofos. Por ela vejo que não amei até agora. Por ela sei que todas as formas de amor foram apenas um ensaio. Porque estive louca por um Antônio vitorioso e me senti destruída por um Antônio desdenhoso. Porque morri de dor enquanto procurava a maneira de esquecê-lo. E por fim voltei a ele, e minha alma estava indiferente. Tanto pensei amar e de formas tão distintas que caí em confusão, pois na realidade só amava o que ele provocava dentro de mim: a loucura, o desprezo, o ódio, a dor e até a indiferença. Mas não amei Antônio até hoje, porque hoje Antônio só pode me oferecer sua derrota. Porque vem a mim despido, sem armas nem bagagem. Nem sequer tem passado, por que a derrota o apaga ante meus olhos. – Tanto ouvi dissertar sobre o amor que já não sei o que dizer. Se choro, engano-me, porque tu amas; se rio, estou errando, porque tu odeias. O que há nesse coração, Cleópatra, que redemoinhos, que estranhas cavernas? -Meu coração girou, girou, até chegar a este momento. Não há nada nele, Sosígenes, que o diferencie dos outros. Porém hoje ele se sente novo, simplesmente. Ela apontou para o horizonte com um dedo carregado de anéis. (…) Quando eu era menina, tu me contavas a origem mítica de Alexandria. Por que chamamos nosso porto de “o bom regresso”. Em razão do marinheiro Eunosto, dizia-me… Não sei, confundo tudo e não espero que me contes agora. Meu cérebro já está cheio de dados, e os que me faltam sobre o coração não será o cérebro que me há de dar. Mas olha para o horizonte e grita comigo: “Eunosto”. Que ao ouvi-lo em sua dor, Antônio saiba que espera por ele o bom regresso… – Tua maturidade cabe no cérebro de uma formiga, rainha minha. (p.234-235)
📖Fonte: Cleópatra, Rainha e Mulher de Terenci Moix 🐜🐜🐜🐜🐜🐜🐜🐜🐜🐜🐜🐜 🐜🐜
#cleopatra #marcoantonio #terencimoix #protagonismo #protagonismoliterario